segunda-feira, 11 de setembro de 2017

O mundo mudando




  Assim que me despedi da sala branca e iniciei a descida na escada em forma de rocambole, o segurança me acompanhou, era um sujeito que lembrava um guarda roupas embutido, feições de negro e cabelos lisos, sem poder ver-lhe os olhos, que os óculos escuros escondia, não podia avaliar o nível de violência dele, no entanto, o passo silencioso e o cabelo cortado em estilo de quartel, denunciavam uma disciplina de cão treinado, suponho que ele, no momento, também me analisava.
  Agora, sem a expectativa da entrevista e com os bolsos cheios, o jardim me pareceu muito mais bonito que na entrada, na estátua do romana do centro, uma ramificação de trepadeiras subia e se encrustava no mármore, flores amarelas nasciam nas pontas, a rosas multicolores jogavam no ar um odor de flores vivas e borboletas amarelas passeavam entre elas.
  Sem palavras, antes de fechar o grande portão, o segurança me deu um papel pequeno, um endereço no Itaim e um nome de mulher, dobrei-o e enfiei no bolso, quando voltei à Corifeu de Azevedo Marques procurei uma banca de jornal, comprei o Estado de São Paulo, fazia um bom tempo que não podia comprar um, dobrei-o e enfiei debaixo do braço, entrei num bar escuro e pedi um copo grande de café com leite.
  O português enfiou os polegares nas tiras do suspensório e, sério, disse:
  _. Não temos copos de café, tampouco de café com leite, nesse estabelecimento, só servimos em copos de vidro.
  _Opá, me serve também.
  Ainda que ele tenha gritado, não havia qualquer sinal de animosidade na fala dele, na ponta do balcão uma máquina antiga de café expresso se impunha imponente, ele virou a torneira e o cheiro inconfundível do liquido escuro tomou conta do ambiente, encheu um copo americano grande, menos um dedo da borda que, ele completou com o leite gelado.
  Ao jogar o meu café no balcão, sumiu-se para a cozinha, um pôster gigante tomava conta da parede central do minúsculo bar, uma imagem gigante, o time perfilado da Portuguesa de Desportos, na parte do gramado havia uma assinatura...Enéias.
  Sorri em pensar que, talvez eu estivesse a tomar o meu café, na mesma cadeira de um ilustre personagem da história, segundo depois me vem o portuga com um cestinho cheio de bolinhos de bacalhau.
  _. Para mim???
  _. Estás a ver mais alguém???
  Ah, esses portugueses e seu jeito atropelado de cavalheirismo.
  A viajem era curta até o centro, mas daria para uma boa leitura, abri o jornal e as pessoas que estavam em pé no corredor do ônibus se atentaram na leitura também, as notícias descreviam um mundo novo:
  Mikhail Gorbachev dava os últimos golpes na já finada União Soviética e a Pastoral de Dom Paulo Evaristo representava os detentos do Carandiru.
  Enfim, um problema novo e um bem velho, o mundo estava mudando.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

A herança

     Nunca tive dinheiro de sobra, isso é certo, mas, essa onda de azar está me tirando o sono de verdade, enquanto a ministra da fa...