terça-feira, 12 de setembro de 2017

Tereza



Já se haviam passado mais de trinta e seis horas, desde o encontro com a moça de branco, na sala branca, do piano branco.
  Eu pretendia encerrar o serviço em cinco dias, portanto, ainda estava em dia, antes, porém, tinha que resolver a minha vida, o senhorio não se deu ao trabalho de me abrir a porta da minha sala, mandou o zelador do prédio, um sujeito grosso, de olhos pequenos, nariz pontudo e dentes projetados, eu costumava assemelhar a cara do capacho com uma fuinha ou esses roedores, de fato, os gestos rápidos e nervosos dele, lembravam mesmo um roedor.
  Ele abriu a porta e entrou, os olhos postos em mim, como se eu fosse levar algo que não me pertencesse, como tinha que esperar a chegada da Tereza, fiquei pegando as coisas pequenas, juntando-as numa caixa de papelão, os olhos do zelador se moviam de acordo com os meus movimentos, sujeito seboso.
  A Tereza é minha sócia, esposa de um grande amigo de infância, na agencia, ela fazia todo o trabalho de uma secretária, mas, a firma foi construída por nós dois, em partes iguais.
  Eu e o Souza fomos órfãos e, nos conhecemos no mesmo berçário, seguimos juntos em dois orfanatos, servimos o quartel na Lapa, sempre juntos, foi no quartel que ele se empolgou com as armas e, numa matinê de black music, conhecemos a Tereza, ficamos ouriçados por ela, mas só o Souza teve coragem de chama-la para uma dança, viramos um trio e descobrimos que ela, coincidentemente, também vinha de orfanatos, virou minha amiga e namorada do meu melhor amigo.
  A imobiliária do Hafic era administrada pelo próprio, um turco de sorriso fácil e gestos largos, ele fazia de um tudo, comprava antiguidades, vendia tecidos, contrabandeavam mercadorias, agenciava viagens, tudo, menos vender imóveis, dentre as várias atividades dele, havia uma a que ele se dedicava de corpo e alma, investigações particulares, havia sido policial na Turquia e sabia tudo do ramo, eu era o arquivista e a Tereza era a secretária dele, por vezes, ele nos usava nas missões, a Tereza era a isca e eu me formei mestre na arte do grampo e do disfarce.
  Sem que nos déssemos conta, o Souza entrou para uma gangue e, num assalto à um carro forte, foi fuzilado.
  Quando voltamos do enterro do amigo, resolvemos entrar no porão da casa deles, encontramos um arsenal, armas de diferentes calibres e muita munição, cuidadosamente vendemos as raras, a maioria para colecionadores, o destino das mais simples foi o esgoto mesmo.
  A Tereza chegou com uma Veraneio alugada, juntamos os arquivos, as roupas de investigações e levamos ao automóvel, fechei a porta e entreguei as chaves ao capacho.
  _. Fala para o seu patrão enfiar no cú.
  A Tereza sentou-se no banco do passageiro e girou a manivela que abria o vidro da janela, pediu que o motorista esperasse um pouco:
  _. Sabe que tem um cantinho para você sempre.
  Acenei que sim com a cabeça e iniciei a caminhada, ela beijou a palma da mão e me jogou o beijo, o motorista ligou o motor, sabia que o olhar dela me acompanharia longe, segui a avenida São João, rumo ao Largo do Paissandu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

A herança

     Nunca tive dinheiro de sobra, isso é certo, mas, essa onda de azar está me tirando o sono de verdade, enquanto a ministra da fa...