Já se haviam passado mais de trinta e seis horas, desde o
encontro com a moça de branco, na sala branca, do piano branco.
Eu pretendia
encerrar o serviço em cinco dias, portanto, ainda estava em dia, antes, porém, tinha que resolver a minha
vida, o senhorio não se deu ao trabalho de me abrir a porta da minha sala, mandou o
zelador do prédio, um sujeito grosso, de olhos pequenos, nariz
pontudo e dentes projetados, eu costumava assemelhar a cara do capacho com uma
fuinha ou esses roedores, de fato, os gestos rápidos e nervosos dele, lembravam
mesmo um roedor.
Ele abriu a porta e
entrou, os olhos postos em mim, como se eu fosse levar algo que não me
pertencesse, como tinha que esperar a chegada da Tereza, fiquei pegando as
coisas pequenas, juntando-as numa caixa de papelão, os olhos do zelador se
moviam de acordo com os meus movimentos, sujeito seboso.
A Tereza é minha
sócia, esposa de um grande amigo de infância, na agencia, ela fazia todo o
trabalho de uma secretária, mas, a firma foi construída por nós dois, em partes iguais.
Eu e o Souza fomos órfãos
e, nos conhecemos no mesmo berçário, seguimos juntos em dois orfanatos,
servimos o quartel na Lapa, sempre juntos, foi no quartel que ele se empolgou com as
armas e, numa matinê de black music, conhecemos a Tereza, ficamos ouriçados por
ela, mas só o Souza teve coragem de chama-la para uma dança, viramos um trio e
descobrimos que ela, coincidentemente, também vinha de orfanatos, virou minha
amiga e namorada do meu melhor amigo.
A imobiliária do
Hafic era administrada pelo próprio, um turco de sorriso fácil e gestos largos,
ele fazia de um tudo, comprava antiguidades, vendia tecidos, contrabandeavam
mercadorias, agenciava viagens, tudo, menos vender imóveis, dentre as várias atividades
dele, havia uma a que ele se dedicava de corpo e alma, investigações
particulares, havia sido policial na Turquia e sabia tudo do ramo, eu era o
arquivista e a Tereza era a secretária dele, por vezes, ele nos usava nas
missões, a Tereza era a isca e eu me formei mestre na arte do grampo e do disfarce.
Sem que nos déssemos
conta, o Souza entrou para uma gangue e, num assalto à um carro forte, foi
fuzilado.
Quando voltamos do
enterro do amigo, resolvemos entrar no porão da casa deles, encontramos um
arsenal, armas de diferentes calibres e muita munição, cuidadosamente vendemos
as raras, a maioria para colecionadores, o destino das mais simples foi o
esgoto mesmo.
A Tereza chegou com
uma Veraneio alugada, juntamos os arquivos, as roupas de investigações e
levamos ao automóvel, fechei a porta e entreguei as chaves ao capacho.
_. Fala para o seu
patrão enfiar no cú.
A Tereza sentou-se
no banco do passageiro e girou a manivela que abria o vidro da janela, pediu
que o motorista esperasse um pouco:
_. Sabe que tem um
cantinho para você sempre.
Acenei que sim com a
cabeça e iniciei a caminhada, ela beijou a palma da mão e me jogou o beijo, o
motorista ligou o motor, sabia que o olhar dela me acompanharia longe, segui a
avenida São João, rumo ao Largo do Paissandu.
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